13 de dezembro de 2013

Limão (ou, aquilo que não tiraram de mim)

Ela jogou suas pernas pra fora da cama e forçou passagem em meio à dor. Arrastando os pés descalços para a cozinha, encheu a xícara com água e pegou um saquinho de chá. Limão.

"Um minuto e meio ou dois minutos? Não, quero bem quente." Fecha o microondas, se encosta na fórmica, olha pro chão (mas no que é que eu estava pensando quando escolhi um piso tão claro pra cozinha?) PERMANEÇA NO TRIVIAL, algo dentro dela gritava.

Preciso levar o lixo pra fora.

Bipe. O chá está pronto.

Mas ela continua grudada à bancada, o olhar perdido. Que diabos, ó céus, que diabos.

Toda esta história, houve mesmo uma história afinal? Não sei, não estou certa, está difícil de lembrar.  Eu não sei se acredito no que minha própria mente pintou. E também tem este frio que faz meus dedos doerem, e eu nem mesmo sei se esta dor é real porque meus dedos estão roxos e dormentes. E tinha todas as coisas boas da vida e as coisas ruins e...  agora  tem este gosto de sal na boca. Suponho que eu deva acreditar neste ranço de lágrimas. Mas acontece que eu não acredito. Ao que parece elas não valem de nada, e nem meu riso frouxo de horas atrás. Lágrimas e sorrisos são vadios. Não se pode acreditar neles porque em um momento estão ali e no outro são sombras.

Ó céus, que diabos, ó céus. Impérios já foram edificados sobre lágrimas e sorrisos e pra que?

Mas o seu sorriso naquela noite doia em mim, me mastigava, doia. Eu quase conseguiria acreditar no seu sorriso, se você me pedisse. E nas suas mãos. Nas suas mãos talvez eu pudesse me devotar com uma fé cega. E se você estivesse aqui e me visse agora: a camiseta surrada, os cabelos vermelhos desgrenhados, um roxo no joelho, você sorriria. Ei, rouxinol, levanta daí - você diria.

Ah! Você sabe, eu sei também! Quando a vida me impede o canto eu sempre vou me encontrar indo pé ante pé até a cozinha. Mãos trêmulas preparando um chá quente de limão.

E mesmo quando não acredito nas cores que eu vejo, nos meus pés plantados no chão -  tão alheios a mim, mesmo quando não acredito que seja possível minha camiseta cobrir tanta dor.

E mesmo que eu não acredite em você, minha melhor criação.

Mesmo assim, eu acredito no chá.

Ela abre a porta do microondas.

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