18 de maio de 2014

Álcool (ou, aquilo para se perder)

“Você tem fogo?” Ele diz.

Tiro o isqueiro do bolso apertado do shorts jeans. O vento não ajuda muito mas depois de três tentativas frustradas ele acende o cigarro e encosta na pilastra.

Lado a lado em silêncio, entediados com uma festa ruim cheia de músicas boas. Bebidas boas. Mas como ter uma boa noitada quando sempre se encontra as mesmas pessoas fugindo do mesmo mundinho?

Se você já viu todas aquelas caras, beijou muitas daquelas bocas, se você sabe exatamente o destino do final de cada noite: desejar com fissura estar na sua própria cama. Perder um domingo recuperando o sono atrasado. Tirar aquela festa do corpo.

As bebidas que antes só anestesiavam agora tem gosto de álcool mesmo. E o gosto de álcool não é bom, um dia a gente percebe.

A promessa do álcool sim, é saborosa. “Não sinta”. “Não pense”. “Se perca”. “Esqueça quem você é”. “Esqueça”. “ESQUEÇA”.

Eu sempre fui mais de doses pra não ter chateação: aquele copo na sua mão te lembrando o quanto você ainda vai ter que beber pra se tornar interessante.

O quanto você ainda vai ter que beber para estar interessada em todos os países asiáticos que aquele cara já visitou ou em como aquela guria simplesmente adora a Baixa Augusta porque em São Paulo sim as pessoas são descoladas e cosmopolitas ou em porque aquele amigo do seu amigo escolheu tatuar “Love Will tear us apart” no antebraço. O quanto você ainda vai ter que beber para parecer feliz.

E quando a porta do fumódromo se fecha abafando todo aquele frenesi e a garoa te enfeita com gotículas que se penduram aos pelinhos do seu braço, você não entende porque ainda está segurando uma garrafa vazia. Então larga do lado da calçada e acende um cigarro, é claro. A vida se repete.

“Esta festa tá meio miada, né?” Ele finalmente interrompe meus pensamentos.

“Ah, pois é, mas no feriado todo mundo some da cidade.” Mais de um centímetro de cinza já se acumula na ponta do cigarro.

“Como é seu nome mesmo? Bárbara?”

Ele tem olhos verdes. Ele está com a barba por fazer. Ele também tem cheiro de cerveja e pelo que eu me lembro tinha gosto de trident de menta da última vez em que o vi. Parece uma boa promessa pra estragar minha noite. Jogo o cigarro ainda aceso na sarjeta. Foda-se.


“Vamos entrar!? Preciso beber alguma coisa.” 

13 de dezembro de 2013

Limão (ou, aquilo que não tiraram de mim)

Ela jogou suas pernas pra fora da cama e forçou passagem em meio à dor. Arrastando os pés descalços para a cozinha, encheu a xícara com água e pegou um saquinho de chá. Limão.

"Um minuto e meio ou dois minutos? Não, quero bem quente." Fecha o microondas, se encosta na fórmica, olha pro chão (mas no que é que eu estava pensando quando escolhi um piso tão claro pra cozinha?) PERMANEÇA NO TRIVIAL, algo dentro dela gritava.

Preciso levar o lixo pra fora.

Bipe. O chá está pronto.

Mas ela continua grudada à bancada, o olhar perdido. Que diabos, ó céus, que diabos.

Toda esta história, houve mesmo uma história afinal? Não sei, não estou certa, está difícil de lembrar.  Eu não sei se acredito no que minha própria mente pintou. E também tem este frio que faz meus dedos doerem, e eu nem mesmo sei se esta dor é real porque meus dedos estão roxos e dormentes. E tinha todas as coisas boas da vida e as coisas ruins e...  agora  tem este gosto de sal na boca. Suponho que eu deva acreditar neste ranço de lágrimas. Mas acontece que eu não acredito. Ao que parece elas não valem de nada, e nem meu riso frouxo de horas atrás. Lágrimas e sorrisos são vadios. Não se pode acreditar neles porque em um momento estão ali e no outro são sombras.

Ó céus, que diabos, ó céus. Impérios já foram edificados sobre lágrimas e sorrisos e pra que?

Mas o seu sorriso naquela noite doia em mim, me mastigava, doia. Eu quase conseguiria acreditar no seu sorriso, se você me pedisse. E nas suas mãos. Nas suas mãos talvez eu pudesse me devotar com uma fé cega. E se você estivesse aqui e me visse agora: a camiseta surrada, os cabelos vermelhos desgrenhados, um roxo no joelho, você sorriria. Ei, rouxinol, levanta daí - você diria.

Ah! Você sabe, eu sei também! Quando a vida me impede o canto eu sempre vou me encontrar indo pé ante pé até a cozinha. Mãos trêmulas preparando um chá quente de limão.

E mesmo quando não acredito nas cores que eu vejo, nos meus pés plantados no chão -  tão alheios a mim, mesmo quando não acredito que seja possível minha camiseta cobrir tanta dor.

E mesmo que eu não acredite em você, minha melhor criação.

Mesmo assim, eu acredito no chá.

Ela abre a porta do microondas.

Em suspenso

Com vagar fluem as horas daqueles que esperam
Almejam, anseiam
Suplicam
Esperam
... esperam.
De um negro tão vil, de uma escuridão de tal breu que
nem lume, vagalume, estrela ou mesmo os olhos teus
podem iluminar.
Esperar é um ato de solidão; mesmo que muitos esperem contigo.
Ainda assim...

E quiçá, tu que esperas fosses um turbilhão devastado. Mas não.
Paira à tua volta a espera morna, viscosa como o espesso ar
que envolve e imobiliza.
Preenche e sufoca.

Que de tal plenitude, esqueci-me...
... não seria isto tão somente um deixar-se ir??
Pois então despejo-me, entorno-me, desperdiço-me.
Não hei de poupar-me em uma hesitação sequer.


(Como poderia jazer encerrado em mim?)